MEMORIAL DE LEITURA

Minha primaria infância foi vivida em uma fazenda de café, no interior de Goiás. Como naquela época e na região não havia escolas, meu pai contratou um professor para dar aulas aos filhos e aos filhos dos colonos.

O professor, “Seu” Arquimedes era um homem culto e muito respeitado na região.

A palmatória era amplamente utilizada na época. Eu não tinha idade para “entrar na escola”, mas eu incomodava tanto para estudar que “Seu” Arquimedes permitiu que eu participasse da aula como ouvinte. Aprendi as vogais.

No ano seguinte, meu pai comprou uma casa na cidade e nos levou, meus irmãos e eu para estudar no colégio. Eu mal cabia em mim de felicidade por saber que finalmente eu ia poder estudar numa escola de verdade. Fui apresentada à famosa “Cartilha do Povo”. Só anos depois surgiu a polemica “Caminho Suave”.

Dois fatos marcaram minha vida na trajetória da 1ª a 8ª série. A 1ª deixou marcas profundas, aconteceu na 1ª série, a professora, Dona Marciana, e acho que ela era “Marciana” mesmo, não acredito que os humanos sejam capazes de tamanha insensibilidade. Era comum, naquela época, se fazer uma oração no inicio da aula. A oração, é claro era da igreja católica, não importava quantas e quais as religiões ali presentes. Mas, vamos aos fatos, a senhora ET, pediu aos alunos que quem não soubesse fazer o “Pelo Sinal”, que levantassem a mão, eu embora católica, (mas católica relapsa) não sabia, levantei a mão. Ela chegou bem próxima a mim e disse bem alto para que todos ouvissem:

_ Você não tem vergonha de não saber o Pelo sinal nesta idade? Pegou minha mão que parecia de chumbo nessa hora e fez o pelo sinal com o maior pouco caso. Eu tive vontade de virar uma lagartixa e passar por debaixo da porta. Comecei a sentir um medo tão grande da professora que não há como descrever, era pânico mesmo.

Os anos foram passando e os professores também, “Graças a Deus”, na 3ª serie tive uma experiência linda. A professora era D. Lazara Ferreira de Castro, eu via a propaganda da Superist na TV onde mostrava os glóbulos brancos e vermelhos. Chegando à escola, perguntei a D’ Lazara o que eram os glóbulos brancos. Ela parou a aula, fez desenhos no quadro, mostrando o que eram os glóbulos vermelhos e brancos que ela chamou de “soldadinhos do nosso corpo”, porque eles defendiam o nosso organismo dos invasores. Eu entendi direitinho e nunca me esqueci. Esses fatos foram gravados a ferro e fogo, jamais se apagarão de minha memória. Não houve grandes danos a minha aprendizagem. Mas veja as marcas que elas fizeram.

Quanto às leituras que fiz, seria impossível elencar aqui, mas creio que minhas primeiras leituras foram os gibis. Lia todos os que caíram em minhas mãos, depois foram os chamados livros de bolso. O meu irmão mais velho era leitor assíduo de romance policial, li todos com ele. Já na 4ª seria eu sabia direitinho o que era espionagem e contra-espionagem. Só na 5ª serie que tive contato com a literatura convencional, meu primeiro livro fora dos não ortodoxos foi “Meu pé de laranja-lima” de José Mauro de Vasconcelos, como eu chorei com o menininho incompreendido pelos adultos e que precisava conversar com o pé de laranja-lima como seu confidente. Chorei com a pobreza da família, o pai desempregado, o natal que ele esperava, o presente que nunca vinha. Todavia a cena mais marcante foi o dia em que ele disse que não queria ter um pai pobre e o pai estava ao seu lado, ouvindo tudo. E ele tentando se redimir da culpa saiu, tentando engraxar sapato ate ter dinheiro suficiente para comprar cigarros para seu pai, na tentativa de tirá-lo daquela tristeza que o magoava.

Depois deste vieram muitos outros, Menino de Engenho, O crime do Padre Amaro, A normalista, entre tantos outros. Não me limitava aos clássicos, continuo lendo os não recomendados, embora não me descuide dos recomendados.

No Ensino Médio, por incrível que pareça eu tinha verdadeiro fascínio por matemática, química e física, embora tenha sido péssima aluna nessas áreas.

A única disciplina que sempre achei inútil e ainda acho é Ensino Religioso, os conceitos religiosos devem ser ensinados em casa, pela família.

A leitura que marcou meu Ensino Médio foi “Os sertões” de Euclides da Cunha, tenho inclusive um projeto para estudá-lo no Ensino Médio, porque ela me parece à obra mais completa em termos de Literatura regionalista, por apresentar os aspectos neste sentido: a terra, o homem, a luta.

O Ensino Superior veio consolidar a minha sede de conhecimento, embora a cada resposta dada, surgiam dez perguntas a serem interrogadas, estudadas.

Gostei muito de varias leituras, dentre elas destaco, “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, “A Relíquia” de Eça de Queiroz. Gosto do estilo em que usa fatos engraçados – Cômicos – para mostrar as falcatruas da realidade. Estilo Luiz Fernando Veríssimo e Fernando Sabino, ou como dizem meus conterrâneos, nesse “Jeitinho Mineirês de sê” vai falando assim pelas “beiradas” como quem não quer nada e conta “tudo” nas entrelinhas.

Sou e serei sempre leitora. A leitura faz parte da minha vida, não há como nos separar mais, é muito tarde para isto, já estou “viciada”.

Maria Divina de Andrade.

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